Nesses dias em Paris, ao mesmo tempo que eu descobria uma outra cidade, descobria uma nova Marta.

A menina também mudava, afinal, como lidar com toda aquela liberdade?

Caminhos...

Caminhos...

E a cada novo caminho e todos os caminhos eram novos, uma renovação, e às vezes até mesmo um descaminho.

Mas o que pode nos ameaçar com a perdição, pode ser um atalho.

Sim, naquele território ainda por ser descoberto, e por me descobrir, eu sentia em alguns momentos que estava rumando muito rapidamente para dentro do caldeirão. Sem a lentidão que talvez aconteceria se eu continuasse no Brasil.

Escolhas...

Escolhas...

É fácil escolher quando se tem diante dos olhos uma outra cultura, outros costumes, rituais renovados, espaços habitados por uma história de mais de mil anos.

As opções se multiplicam!

Na arte, na música, na arquitetura, nos costumes, tudo me fascinava. 


Aí é difícil escolher, quando tanto nos é ofertado.

As dúvidas igualmente crescem.

E na dúvida, o movimento espontâneo de recuar para a sobrevivência de nossas antigas identidades, é inevitável !

No entanto ainda bem! a menina a meu lado, invisível aos demais mas evidente para mim, essa criança corajosa tinha sede de viver, sede de conhecer " The dark side of the moon".

Neste tempo, apareceu Susana Chaves Barcellos em Paris, saí daqueles corredores imundos de Vincénnes diretamente para Avenue Montagne no Hotel Montagne, enquanto a rainha Susana (apelido) dava notas de cem dólares para as camareiras.


Fiquei uma semana com ela me refazendo dos meus conflituados colegas.

Uma noite saímos com um amigo dela para jantar num dos melhores restaurantes de Paris, daqueles que já naquela época era proibido fumar, pois o cigarro destrói o paladar. Este amigo era o segundo da embaixada e se chamava Gil Ouro Preto.

O embaixador não me lembro direito quem era, acho que era Chateaubriant
. Pouco mais tarde, o Gil foi bem importante na conciência do meu non sense, pois quem estudava em Vincènnes, poderia estar sendo vigiado.

Bem, finalmente era tudo o que eu queria!

Agora era só pensar como iria dizer para meus amigos espanhóis, que iria deixá-los.

Pensei bem e chamei meu amigo mais guerreiro: José

Aquele que usava capa preta. 
 

Só que demoraria alguns dias, pois não tínhamos telefone. Diria a verdade! Tínhamos um bloco para anotações pendurado na porta para recados.
.
Desejava com toda a força do mundo deixar cair a pele já antiga da infância e sentir desabrochar, junto com o sabor estimulante da juventude, toda aquela energia fluindo poderosa, indomável e, simultaneamente, alimentada pelos ensinamentos que meu pai me dera nos momentos em que essa menina se fazia, se descobria criança eterna, crescia.

O meu ouvido já acostumado com a língua recém tornada cotidiana.

Porém muitas vezes eu me sentia bastante solitária no meio de tantas pessoas. Quanto mais gente, mais solitária me sentia.

Se minha língua é minha pátria, ali estava eu – sem pátria!

Escutar francês todo dia me entediava, me dava até mesmo sono. Aí eu me transportava.

Para onde?

Para lugares, tantos, nos quais o que menos importava eram os cenários e sim os sons, as vozes, finalmente me dizendo algo familiar.

Os Beatles, constantes na simplicidade de suas letras, com um talento "uraniano", falavam exatamente o que nós jovens do mundo inteiro queríamos ouvir. Cantavam o que todo o planeta Terra, naquele momento, precisava ouvir. Falavam de paz e amor.

Eu já sabia que no futuro teria saudade daqueles problemas !


O que, de fato, a língua francesa de forma insinuante queria dizer com aquelas frases arrastadas, com excessos de erres e terminadas em ês tônicos? Uma língua cantada numa nota só.

E onde estaria a minha juventude naquele momento, cantando numa nota só, junto com João Gilberto?

Ou conhecendo o mundo real, onde a Polyana se desestruturaria...ficaria apavorada...pensando: "Como jogar o jogo do contente nesta situação”?

Como já contei, de certa forma fugindo daquela música perturbadora, eu então pegava um trem na Gare du Nord, ia para qualquer lugar.

Naquelas horas me olhava num espelho e enxergava um caleidoscópio facetado em mil descaminhos.

Mas como parar?

O tempo corria e eu sabia que não podia cumprir esta tarefa sem estar constantemente em contato com forças do universo.

Afinal eu estava sozinha no mundo!

Carregava a responsabilidade de cada passo que eu dava.

Só tinha mesmo a minha amiga, mas ela não estava constantemente comigo.

Aí comecei a ficar amiga de Deus.

Nessa liberdade descobri que eu teria que me mover por mim, é onde a criança começa a caminhar por seus próprios passos. Por exemplo: "Se eu não caminhar, ninguém fará isto por mim."

Na travessia, já começava a sentir emoções descabidas, pois cada passo que eu dava, conduzida pela minha liberdade, era um desafio cada vez maior.

Frente ao mundo. Frente a nós duas, a menina e a jovem adulta.

A menina que tinha medo de falar alemão por causa dos nazistas. Medo de não ser aceita. E, ao mesmo tempo, medo de ser judia.

Puxa vida! O único lugar seguro da vida é o ventre materno!

Eu acho que é!

Tentava dar longos passos semeadores de mais passos ainda.

E eu ia em frente, sempre.

E depois retornava.

Refundando o mundo à minha volta.

Quando entrava novamente em Paris, despontava a menina romântica, cheia de amor, com saudade dos pintores, da Ilha, da mansarda que tanto me fazia La Bohéme.

Sentia que a total expressão do meu potencial me fazia feliz e realizada. Mas com os pés no chão.

Que eu nunca tive!

Ninguém é perfeito...
 




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